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Bornes relacionados com Miniaturas

Buscando...?

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

natalinas

Três ítens. Tarde de vinte e quatro de dezembro. Eu e boa parte da humanidade resolvemos comprar algumas coisinhas no mesmo supermercado. Tivemos que fazer filas, claro. Grandes filas. Se a gente presta atenção, as filas são, dos eventos da vida ordinária, um dos melhores para a contemplação. No meu caso quase dá para sentir o anseio me puxando pela cabeça, esticando o meu pescoço. O corpo plantado. A mente ansiosa, lá no futuro, querendo ir. Mas a fila, os corpos, as coisas seguem sua própria cadência, prisioneiros de seu peso.
Tem aquela senhora, lá na frente,  por exemplo que, parece, insiste em pagar cinquenta e três reais e sententa e dois centavos em dinheiro contado e recontado para se livrar das moedinhas que ela vai procurando no fundo de uma bolsa e eu acho que ela deveria usar óculos pois está espremendo os olhinhos para contar. Quantos encadeamentos de condições nos trouxeram, eu e ela, para a mesma fila, aqui e agora? E não adianta mudar de fila. Eu já tentei uma vez e o rolo de impressão acabou e eu vi a pessoa que estava atrás de mim, na outra fila, indo embora. O que realmente deve ser apreciado ou, ao menos, o esforço para que o apreço se desenvolva precisa ser feito, é esta sensação causada por querer. A mente, enquanto continuar a loucamente tentar levar o corpo para seu mundo de projeções só vai gerar dor e cansaço.
A fila não tá nem aí.

***

Um pratinho de amêndoas torradas e salgadas, um copo de suco, uma boa leitura, um cômodo fresco e eu sou a pessoa mais feliz da terra. Não há nada que eu deseje agora. E isto, num estalo, me ocupa a atenção. Nada a desejar. Isto seria a paz! Sensação maravilhosa! Nada a desejar. Pleno, completo, feliz! 
Mas logo as amêndoas começam a se revelar salgadas demais e o suco muito doce. Só me confirmando que o Caminho não é por aqui.

***

Saiu na Superinteressante, edição verde, na coluna Ciência Maluca: um estudo da universidade do Missouri, EUA, que analisou a população de quatro países concluiu que as pessoas que adotam uma postura ética ao invés da natural tolerância e/ou prática do 'jeitinho' tem um nível de satisfação maior com a vida. Tal conduta eleva tanto o nível de felicidade quanto um aumento de salário.
Legal! É quase exatamente o que o Buddha diz. A satisfação é maior do que a por um aumento.
***

Com respeito ao "Uma Palavra Por Dia", vou criar uma página aqui no blog de forma que o texto vai ficando todo em um só lugar. Vou atualizando e será só clicar no 'páginas' ali do lado esquerdo para ler.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

dois sucos e uma 'fritas' grande

- ...e quando eu vi aquele monte de gente correndo, pensei: lá vão os pobres coitados acordados aos tiros de seu sonho de poder...
- é... mesmo que a gente saiba, né? de tudo o que eles são capazes, das crueldades e tal...
- quem de nós não é, né?
- o bezerra cantou: "somos vítimas de uma sociedade, famigerada e cheia de malícia"...
- não concordo muito com o lance da vitimização... mas até um ponto é considerável.
- lá ia aquele bando de infelizes, subindo morro semi nus porque há agora interesses maiores do que os que permitiam que eles continuassem em cena.
- não é tão simples assim.
- não é.
- mas é um resumo possível...
- o que me impressiona é o modo de virtualidade em que vivemos, em que nossa mente opera...
- ouvi gente dizendo: eu com uma metralhadora ali... não sobrava um...
- é triste! o grau de fantasia em que estamos operando. estamos num vídeo game.
- é uma loucura isso! na minha cabeça as coisas vão como que se encadeando em elucubrações...
- é. é uma coisa meio matrix! hahaha... tosco dizer isso, mas é!
- meio até além de matrix! a forma como a realidade vai sendo composta! de repente faz-se uma coisa que sempre foi possível fazer, na verdade, completamente evitável de se ter a necessidade de fazer! e tudo é recebido como algo extraordinário, heróico e tal! o que que é isso!?
- e toma tiro mas é tudo um vídeo game! as conexões são claras mas ninguém se importa..
- reality! esta obsessão por reality! o que vem a ser isso, afinal? será que é de uma sede inconsciente por realidade que estamos sofrendo?
- será que uma parte de nós sinaliza que estamos saturados de mentira, é?
- hahaha... piração! dá uma viagem boa isso!
- não, tudo bem,vamos viajar talvez... hahaha... mas olha só: faz todo sentido isso. vivemos num mundo dominado por tecnologia, fruto do racional...
- total. mente domina natureza!
- isso, isso, isso! compomos tudo! na linguagem buddhista, sankharizamos de maneira plena e absoluta. o mundo é o que nós fazemos!
- total sentido. o que a mente faz? cria, compõe... a realidade nós é que fazemos.
- e aí, num nível tudo funciona normalmente. mas alguma coisa em nós pede terra. alguma coisa precisa ser tocada de verdade. mas está atrofiada, esquecida...
- isso remete a...
- exato! desvios de comportamento de todos os tipos no que diz respeito ao que é tátil.
- vivência obsessiva/distorcida do sexo.
- fast touch!
- hahaha... boa! fast touch. com a cabeça no sonho e o corpo no fast touch...
- por favor! mais dois sucos, beleza? obrigado.


e a coisa continuou...

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

uma palavra por dia

Dia desses achei este livro na rede, no www.buddhanet.net.
A proposta é fomentar o uso do pali para o estudo do Buddhadhamma. Compreender o significado das palavras no original é muito melhor do que nos basear em traduções se queremos gerar a experiência direta do que o Buddha ensinou.
Gostei tanto do livro que acho que vou publicar minha tradução do texto aqui juntamente com minhas impressões das palavras apresentadas.
Espero que gere o mesmo interesse em quem passe por estas bandas!

11/10/2011
Este trabalho foi assumido pelo Grupo De Tradutores do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda e em breve eu publico o link do trabalho completo por aqui! 

24/10/2011
o Link para o trabalho completo:
http://nalanda.org.br/uma-palavra-pali-por-dia

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

fantasma

ele é alguma coisa entre anti-herói e vilão e faz parte dos  thunderbolts, um controverso super grupo no universo marvel das hqs. o seu principal poder é ficar intangível e recentemente publicado no brasil pela panini, no número 11 da revista ''reinado sombrio" ele, após ajudar um membro de sua super equipe, fala:
"todo mundo fica melhor quando está intangível. quando nos damos conta de que nada é verdadeiramente real... bem, essa noção nos dá nova perspectiva".

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

uma dose de Bukowski e muito dhamma

paro
não importa o quanto corram, eu vou devagar
e paro

ouço
não importa o quanto chamem, eu ouço

não importa quantos sabores criem
quantos modelos
quantos recursos
quantos aplicativos
de quantas necessidades precisem

não importa quantas festas
quantos shows
quantos bares
quantos assuntos
quanto barulho
quanta tv

eu não ligo
eu não vou
me basta o bastante

não importa quanta realidade inventem
quantos jogos
quantos programas
quanta disputa
quanto celebrem
quanta celebridade
eu ignoro

não importa quanto tocam
quanto compoem
quanto vibram
quanto pulam
quanto gritam
quanto cantem
eu silencio

e eu recuso os panetones de setembro
os ovos de páscoa de fevereiro
as canjicas de abril
e as micaretas todas

os amistosos
os preparativos
eu recuso

eu me enraízo
e abdico da razão
eu não penso enquanto caminho
eu sinto meus pés no chão

meditação, meditação...
quase ninguém percebe que
O Buddha
ao despertar
tocou a terra

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

cinco agregados

Os nomes são forminhas nas quais congelamos os fenômenos no tempo e no espaço. 
Como fazemos com os Cinco Agregados. 
O Buddha nos diz que somos meramente um conjunto de cinco: corpo, sensações/sentimentos, formações mentais/pensamentos, percepções e consciência. Não é forte o entendimento de que então, oras, podemos ser divididos nessas cinco 'coisas'? Nos imaginamos como um constructo de onde podem ser tirados, um a um, estes componentes.
Mas acho que não é bem assim.
A mente agarra qualquer fenômeno do qual se conscientize. E nomeia, congela e separa: isto, aquilo, aquele, aquela lá... Assim é como faz com os agregados que o Buddha listou. A qualquer cousa que surja para a mente e que possamos identificar como 'meu/eu/meu eu', eis um agregado embalado em upadana. Por exemplo: me 'identifíxo' com(o) meu corpo, meu sentimento/sensação, meus pensamentos, minha percepção, minha consciência. A cada vez que um (ou mais) surge, congelamos e compomos um eu com base nisso. E se há tal objeto precisa haver um eu possuidor/observador. É assim. Eis eu.
Eu acho que o que o Buddha quis dizer foi que estes fenômenos transitórios e compostos, como quase todo o resto, que ele chamou agregados, são por onde nos vemos como seres. Não é que sejam pedaços do ser. São sim eventos que a mente pontua e discerne no processo de existir. Cenas da peça que encenamos e que chamamos minha vida.
O Buddha declara cinco agregados. Eu não consigo ver mais nenhum. Se alguém encontrar, tudo bem. Certamente será mais um objeto "eusificado/eusificante".
Então, o caminho do despertar não é o de separar estes agregados mais do que o de perceber como a mente interpreta estas diversas formas de engendramento do eu, do mundo. É perceber como se dá a construção de um personagem com base nestes fenômenos distintos e identificáveis no contínuo do existir. É deixar a mente fazer o trabalho dela, que é conhecer. Este é o objetivo da meditação. Porque existe a ignorância que impede a mente de experienciar os agregados tal como são. Porque encapsulamos as coisas, congelamos e separamos. É um ciclo, mesmo. Repetitivo. Não é só o meu texto que é tosco. É avijja que é assim! Seguimos congelando repetidamente e nos mantendo cegos para o fato de que tudo é um ir vertiginosamente dinâmico e sem identifixidade.
E por conta disso, talvez a pergunta surja: mas quem medita?
Estritamente falando, ninguém. Mas não gosto de acabar com declarações pseudoprofundas e repetitivas.
Não há um que medite.
Começa lá atrás, com uma tomada de consciência de que algo não está bem. Achamos que há um eu que sente, tudo bem. Aí conhecemos o ensinamento do Desperto, do Buddha. Começamos a meditar. Achamos que "eu" meditamos. Tudo bem. Estudamos, entre outras coisas, os Cinco Agregados. Achamos que há um eu composto pelos Cinco. Tudo bem. Se continuamos a meditar e estudar, poderemos experienciar, vez ou outra e definitivamente todo o descrito até aqui livre de uma falsa terceira pessoa, que para nós sempre foi primeira: o eu. E revelarse-a, então, só o acontecendo: inspira, expira; tomada de consciência; inspira, expira. Sem primeira pessoa, nem segunda, nem terceira. A experiência acontecendo e absolutamente impossível de ser capturada e posta na forminha.
Tudo bem.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

dukkhinha

"O ano que vem vai ser uma chatice...!"
"Que isso, filho!? Por quê?"
"Ah, o Huguinho vai voltar a morar com o pai dele e talvez mudar de escola... O Luizinho vai para a turma da manhã..."
"E daí...!?"
"E daí, pai!? Eles são meus melhores amigos!!"
"Ah, tá...! Vai ter saudade, né?"
"Lógico!"
"Antes de você conhecer, eles já eram seus melhores amigos?"
"Claro que não, né pai!? Dãaa...!"
"Então, com a saudade não há muito o que fazer... Mas há um monte de melhores amigos que você ainda não conhece por aí...!"

***

Podemos passar a vida sem perceber isso: julgamos o futuro sempre com base no como estamos agora.

domingo, 7 de novembro de 2010

house X a mente quieta, a espinha ereta e o coração

Acho que é do funcionamento da mente esta aversão pela passividade. A qualquer estímulo a mente reage querendo algo mais do que aquilo que há.
Começar a entender que o fruto do cultivo da mente ensinado pelo Buddha é resultado de observar as coisas serem como são é algo que, paradoxo talvez, exige uma dose cavalar de esforço e boa vontade. Queremos, lá no íntimo, que a observação resolva para nós! Mesmo no estado de observação subsiste a natureza de querer que algo aconteça. Mas o Buddha ensina que nada vai acontecer antes que suas condições estejam presentes. Muitas fora de nosso controle. E uma delas a passividade. Mas aceitar isso chega a doer. E essa dor é mais uma coisa a observar. Assim como o é o desejo de que a dor passe.
O primeiro episódio da sexta temporada de House MD, chama-se Derrotado, é a ilustração de um aspecto disso. Permanecer na derrota até que se aprenda algo ao invés da busca frenética pela compensação da vitória. O poder da desistência. Porque não é hábil vencer o tempo todo. Além de não ser possível.
Ouvi de quem entende do assunto que ninguém subjuga um cavalo. Não ao menos quem aprecia ter um cavalo ao invés de um animal destruído. É preciso o entendimento. Um diálogo humilde deve ser estabelecido entre montador e montaria para que ambos se reconheçam e se aceitem. Só aí o cavalgar surge.
Temos que, humildemente, nos entender com as condições que nos mantém aqui. Compreender pela mera observação depende de verdadeiramente acolher àquilo que é tal como é. Parece que não há como ser de outra forma, não de um modo real, ao menos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

vencer

No satipatthana sutta o Buddha nos ensina a prática integral. Sobre tudo a faculdade de contemplação e reflexão pode ser aplicada e gerar conhecimento. Aquele conhecimento que nos levará ao Despertar.
O que eu tento aprender da contemplação das últimas eleições? Porque eu quis evitar, mas não consegui, me restou refletir... Da reflexão, até gerei esperanças.
Vimos que condenar a mentira e mentir, condenar a dubiedade e ser dúbio, condenar a vacilação e vacilar, a maquinação e maquinar, a censura e censurar, o disfarce e disfarçar, ou seja, tornar-se aquilo que se combate não levou a nada. Infelizmente? Em um sentido não há como saber. Mas felizmente se isto servir para cada um de nós, do lado de cá, a perceber que ser aquilo que se diz é o que devemos tentar. Pôr nossas convicções a frente de nossas metas. Princípios, uma questão simples de ter princípios e vivê-los, custe o que custar.
Pode ser que os motivos que listei não determinaram a vitória nem a derrota... Mas é uma forma de enxergar o fato que me é mais útil que nutrir qualquer esperança. A não ser aquela em relação a mim mesmo...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

(o que dá para fazer)

De vez em quando alguém pergunta se nosso destino como praticantes laicos não seria só fazer o melhor possível para que numa próxima vida nasçamos como monges e, aí sim, podermos praticar e chegar lá! Lá no nibbana!
Pois eu poderia citar alguns trechos dos suttas em pali em que laicos chegaram lá! Mas aí poderiam dizer que são casos muito especiais de pessoas que tiveram vidas anteriores extraordinárias e tal e eu não poderia discutir porque me falta um monte de coisa. Dentre elas, competência. Mas digo sem medo que esse negócio de justificar aquilo com base em vidas anteriores é uma questão de fé e que, sendo assim, é possível ter fé na 'extraordinariedade' da vida anterior de qualquer um! Na minha, inclusive!! 
Pois bem, deixando de lado questões de fé, posso falar do que dá para fazer como laico:
- É possível ter consigo textos e mais textos de dhamma sempre que houver aquele tempinho entre uma inutilidade samsarica e outra. Se não em livros, há aparelhos diversos, com preços diversos que possibilitam carregar textos diversos, de suttas a tratados, em volume que qualquer ser humano leva tempo para ler (e mais tempo ainda para estudar!) além da conta. E que ajudam a ver o dhamma onde e quando parece não haver dhamma.
- É possível carregar, nos mesmos aparelhinhos, sons do dhamma: palestras, cânticos, aulas, e vídeos, para aqueles momentos em que a leitura cansar.
- É possível (talvez menos para alguns, preciso reconhecer) ir a um lugar isolado e silencioso (como o Buddha recomenda nos anapanasati e satipatthana suttas)  periodicamente e cultivar a mente/coração.
- É possível (com grau de esforço maior para alguns, mas sempre decrescente na medida em que se treina) manter a disciplina dos Cinco Preceitos, e até de maior número deles, por períodos consideráveis de tempo. Cada vez maiores na medida em que se treina.
- É possível entrar em retiro com relativa periodicidade e facilidade. Desde que se aceite que o lugar de retiro não precisa ser SEMPRE aquele templo ou centro que fica lá longe e custa caro e falta tempo e minha família resmunga prá caramba... O lugar de retiro, essencialmente, é aquele em que a gente se encara e com absoluta franqueza sabe que está fazendo o melhor para honrar o nome que gosta de se dar de "discípulo do Senhor Buddha".
- É possível ser atento e lembrar do dhamma naqueles momentos em que parece que o dhamma é outra coisa que não o aqui e agora (os BONS textos são extrementes eficazes em ajudar nisso!)
- É possível ter contato com professores de dhamma. Bom, pelo menos para quem estiver lendo este blog, o que significa que tem algum acesso à rede.
- É possível fazer alguma coisa pelo dhamma do Buddha dialogando, perguntando, incentivando, doando (não nece$$ariamente) tempo ou dom (traduções de textos são uma demanda constante!), participando e assim, quem sabe, acumular aquilo que muitos gostam de acumular que são os méritos kammicos!
- É possível ser uma pessoa boa.
-É possível, e imprescindível para a saúde psíquica (e a saúde psíquica é imprescindível para a boa prática do dhamma), ser corajosamente sincero consigo próprio.

Se eu lembrar coloco mais coisas. E sugestões são muitíssimo bem vindas!
Mas posso garantir, pois ouvi de fonte que eu respeito e não só eu, que muito monge não faz um tanto do que escrevi acima! 
E aí, se você for um dos que pensa que a vida atual de laico é, na melhor das hipóteses, passagem para uma futura de monge, e quer continuar acreditando nisso, tudo bem. Se não, tente praticar o que eu escrevi (ou alguma coisa, ao menos ou a mais) junto comigo, e se a sua vida não ganhar uma dimensão de qualidade que o satisfaça e que o encha de entusiasmo e convicção na possibilidade da paz efetiva aqui e agora, pode ser que deva partir para outra com as minhas bençãos (que não valem absolutamente nada mesmo!).

terça-feira, 12 de outubro de 2010

no meio do caminho

Eu vi algo assim: "Não concordo com tudo, mas..." E achei bem  esquisito. Sempre achei. Como sempre achei que do mundo precisa haver alguma saída. Não conseguiria viver numa prisão sabendo ser para sempre. E, claro, sempre intuí que aquela possibilidade só podia estar na espiritualidade.
Minha busca começou cedo. Lá pelos nove, dez anos me declarei ateu. O que parece ter sido o primeiro grito por ajuda, um pedido de socorro. Que só foi atendido quando me tornei capaz de me socorrer.
E passei por escolas, pensamentos, tradições e diferentes religiões. Cheguei no buddhismo registrado no Cânone Pali onde só não concordo com o que não conheço. E estou longe de conhecer tudo. Mas, talvez paradoxalmente, não sinto muita necessidade de conhecer mais. Posso dizer que concordo com tudo.
Por isso acho estranho quando encontro afirmações como a lá do início com respeito à religião.
Uma religião, desde que seja encarada como uma saída ou solução definitiva, não deveria suportar coisas assim. Ou a pessoa sente-se plena com sua opção ou busca outra coisa. No caminho espiritual penso não ser saudável contornar as pedras. Elas devem ser levantadas, investigadas e destruídas. De outra forma, embora possamos nos esforçar para crer no contrário, elas nunca sairão do caminho.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

daqui de baixo


As minhas incursões pela superfície, por vezes rendem trapalhadas. Há muita côr, aparências, luzes, brilhos e reflexos. Por aqui, nas profundezas, é tudo mais claro. Nas sombras as cores esmorecem, as aparências transparecem, as superficialidades não tem sustentação. Mas o barulho por vezes é tão perturbador aí em cima que me atiça a natureza e acabo me arriscando.
Mas então me confundo. Fico realmente por fora.
É assim.
De tanta balbúrdia política, empolgado dei meus tropeços pelos caminhos enviezados e rumos emaranhados que, penso saber, não chegam a lugar algum. Não revelam nada. Nada além do que apreendo aqui embaixo.
Por mais que me capturem os olhos, pois minha queda é escrutinar, os encantamentos das variedades e nuances aí de cima, meu pensamento insiste, certamente por acostumado que está, em buscar o que a forma oculta, o que a casca encobre, o que a luz esconde. E me dano em apontar para as coisas que não interessam a ninguém daí, embora haja quem venha me bater à entrada da gruta! Quando me vejo, pois  o tempo que perco não olhando pra dentro logo me causa  falta, estou já todo enrolado! Aí sei que a hora é de me desembaraçar, desistir, esquecer, abandonar... Deixar que seja o que as coisas são, que vão como possam ir, e voltar para onde ando em paz, para onde respiro sem esquecer. Onde, quieto, aprendo das sombras.

***

Si surge algo desagradable, decimos: ‘¡Huye!’ Si alguien se cruza en nuestro camino, decimos: ‘¡Mátalo!’ Esta tendencia es a menudo evidente en cómo actúan nuestros gobiernos... Aterrador, ¿verdad?, cuando piensas en la clase de gente que gobierna nuestros países -porque todavía son muy ignorantes y no están iluminados. Pero así es como es. 

Se surge algo desagradável, dizemos, "Fuja!" Se alguém atravessa nosso caminho,  dizemos: "Matem-no!" Esta tendência é evidente na forma como agem os nossos governos... Aterrador, não é verdade, quando se pensa sobre o tipo de pessoas que governam os nossos países? Porque, em todo caso, eles são muito ignorantes e não  estão Despertos. Mas é assim que as coisas são. 

Do livro "Las Cuatro Verdades Nobles" de Ajahn Sumedho.
Publicado aqui em espanhol.

domingo, 12 de setembro de 2010

o mundo por um fio

"Muitos ficam tão intoxicados com impressões sensuais que são incapazes de perceber que existe um mundo lá fora. E, portanto, também são incapazes de compreender o inverso - eles não entendem que um dia o mundo vai acabar. Para nós, no entanto, basta que falhem algumas pulsações para que estejamos divorciados da humanidade para sempre."


'O Aranha' na página 49 do livro 'O vendedor de Histórias' de Jostein Gaarder.

Editora Cia. Das Letras

domingo, 5 de setembro de 2010

voto, respiração e Machado

"70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê."
É um trecho da crônica 'Analfabetismo', de Machado de Assis, publicada em 15 de agosto de 1876.
Para um estudante/praticante (ao menos até que me provem o contrário) de anapanasati  como eu, este trecho tem um significado profundo. Na minha cabeça, pensando nele, aparece tudo interligado: o conceito que temos de liberdade, a sabedoria que se desenvolve na experienciação do processo da respiração, a ignorância que sustenta nosso modus operandi ordinário... Tudo aparece muito claramente conectado.
Tivéssemos algum conhecimento experiencial a respeito da lei de condicionalidade vendo com mais clareza a natureza do emaranhado em que estamos... Como seria ser/estar aqui e tudo o que faz parte deste processo? O votar, inclusive? Quanto a busca pela compreensão do mundo tendo como base a respiração, que revela uma imagem da condicionalidade, impermanência e imperfeição da vida pode nos ajudar neste aspecto do viver social num regime democrático que são as eleições?
Em mim, um ceticismo que julgo bom é um principal benefício.
Não espero nada além do que eu mesmo posso oferecer ao mundo e sei que oferecer o melhor ao mundo exige muito de mim. Não é simples fazer o que é certo porque tudo se sustenta sobre o solo corrompido e corruptivo da ilusão. Daquilo que nos chega da vida, ficamos com o que nos agrada. E o que nos agrada, quase sempre, é o que perpetua o engôdo. Retornamos ao mundo, via nossas visões, crenças e ações, aquilo que nos mantem na prisão que é a nossa ideia de liberdade. E assim, nos agarramos todos. Uns nos outros na beira do precipício.
A liberdade verdadeira começa pelo reconhecimento do quanto (ou do se) estamos presos. Fazer escolhas não significa muito se não tentamos compreender o que condiciona as escolhas que fazemos. Esperar daquele que escolho algo que não seja coerente com aquilo que eu mesmo sei que devo fazer pode ser um indicativo da natureza de tais condicionantes.
A primeira escolha deve ser sempre com respeito a minha próxima atitude. Essa é que vai legitimar todas as outras. E depende de uma compreensão que pode ser realizada, de forma ímpar, pela experienciação do por que e o quê respiramos (eu acrescento o como).
Pode não ter sido o que o Machado quis dizer. Mas acho que dá para dizer isso a partir do que entendi.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

padrinho mágico


Ele veio me perguntar sobre o seu casamento, que está próximo, naquele tom de brincadeira que usamos quando gostaríamos de falar sério: "Todo mundo me enchendo o saco... Enchendo minha cabeça contra o casamento...Você vai dar o veredicto! É sua a palavra final..."
Eu, num dia inspirado, imerso em filosofâncias  e psicologismos além da média dos últimos trinta e alguns anos, dei-lhe uma resposta que foi mais ou menos assim:
Casamento é coisa para gente grande e parece que cada vez menos queremos crescer. Temos incontáveis brinquedos e brincadeiras, agora. Conseguimos fazer do mundo o nosso parquinho. Todos querem brincar pelo infinito a fora. Mas, apesar de todo silicone, botox e suplemento alimentar, apesar de toda velocidade de conexão e ausência de fios que conquistamos, apesar de conseguirmos fazer parte da maior Turma do Bairro de todos os tempos via orkuts e facebooks, continuamos a envelhecer e morrer.  No mesmo ritmo de sempre. Apesar da variedade de brincadeiras, todas enjoam. Todos os brinquedos, se não quebram, envelhecem ou entediam. Todos os nossos mimos de crianças ricas estragam, droga!
O casamento é um momento complicado porque parece ser o chamado da mãe (ou do pai!) para entrarmos. É o início da noite mas estávamos na melhor parte da brincadeira. Começamos a ver o sol se por e sentimos aquele pavor: "está acabando..." Temos a opção, que cada vez mais parecemos fazer, de fingir que não ouvimos  a mãe natureza e continuarmos brincando pela noite. Mas é perigoso! E esta noite nunca mais amanhece. Só há luzes artificiais até o fim.
Temer os fatos da vida e encobri-los, não ver o envelhecer principalmente, é a nossa vida hoje (mais do que nunca?). E acabamos negando quase tudo o que envolve o processo, especialmente o amadurecimento. (Lembrei agora, enquanto escrevo, do episódio Miri, acho que era esse o nome, de um Jornada Nas Estrelas...)
Alguém diz: "E você acha que ele está pronto para isso?" E eu: "Quem tem que saber disso é ele. O que posso dizer é que ele precisa de muita maturidade para lidar com o moleque imortal se não quiser uma vida de brinquedo daqui para frente..."

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

mentira (de novo! fazer o quê?...)

Terminei de ler o livro "O  Que Nos Faz Felizes" do psicólogo americano Daniel Gilbert (Editora Campus/Elsevier). Resumindo, o livro fala sobre como nos iludimos na busca pela felicidade devido às falhas de percepção que temos.
Lê-se na página 149:

Se tivéssemos a experiência do mundo exatamente como ele é, cairíamos numa depressão tão grande que não conseguiríamos levantar da cama pela manhã, ficaríamos tão desiludidos que seria difícil achar nossos chinelos. É possível que tenhamos uma visão cor-de-rosa do mundo, mas essa visão nem é opaca nem é muito clara. Não é opaca porque precisamos ver o mundo para participar dele, para pilotar helicópteros, fazer a colheita do milho, trocar as fraldas dos bebês e todas as outras coisas que os mamíferos precisam fazer na luta pela sobrevivência. Mas também não pode ser muito clara, pois precisamos de um pouco de rosa para projetar os helicópteros ("Tenho certeza de que esse negócio vai voar"), plantar o milho ("A safra deste ano será ótima") e ter os bebês ("Que coisinha mais linda!"). Não podemos abrir mão da realidade, mas também não podemos abrir mão da ilusão. Cada uma tem seu propósito, e cada uma impõe um limite ao domínio do outra. Assim, nossa experiência do mundo resulta do compromisso fechado entre essas duas fortes concorrentes.

A ideia é desenvolvida em todo o livro mas na página 154 há o seguinte:


No final das contas, o cérebro e o olho talvez tenham uma relação contratual na qual o cérebro concorda em acreditar no que os olhos vêem, mas, por sua vez, o olho concorda em ver aquilo que o cérebro quer.


Quem tem passado por aqui deve imaginar que estes foram meus trechos preferidos do livro. Está certo. Foram. Acho legal que as disciplinas que estudam a mente acabem sempre esbarrando nalgumas verdades buddhistas.

Mas o autor para por aí.
Terminei o livro com a sensação de que sua proposta é que cheguemos a uma resignação com esta nossa, segundo ele, imutável condição de simbiose com a ilusão. Temos que aceitar que entrar em acordo com a ilusão é a forma de ser feliz e, todas as vezes que nos desiludirmos em função desta inescapável necessidade, podemos extrair algum consolo do prazer de saber que é assim que as coisas são. Ou seja, estou perdido, mas pelo menos eu sei que estou perdido e este saber é fantástico!
E há quem considere o buddhismo uma visão pessimista da vida!
Entendo o buddhismo como sendo, fundamentalmente, uma doutrina de transformação pela percepção/conhecimento. Afiamos a mente tanto em termos perceptivos quanto cognitivos através do cultivo da atenção reflexiva/vigilante.
Assim, onde para o autor, começa o Buddha.
A felicidade de saber que não há felicidade no mundo  não surge de saber que  não há felicidade! 
Há o nibbana.
O nibbana declarado pelo Buddha é um objeto da mente. E segundo o Venerável Ajahn Buddhadasa, muito mais acessível do que séculos de elucubrações metafísicas acabaram ocultando! O Buddha, quando nos diz que ao continuarmos buscando a felicidade da forma que buscamos só vamos ter problemas, afirma como 'opção' a felicidade real . Saber que não há felicidade no mundo é apenas a primeira parada rumo a felicidade. 
Deste ponto deveríamos levantar a cabeça e mirar os olhos na direção que o dhamma aponta!
Eis o ato que requer um esforço colossal da maioria dos humanos: considerar a possibilidade de um tipo de felicidade que não seja nos moldes do 'mundo'. Um tipo de felicidade que não dependa de ganhos parece até assustador para nós! Mesmo quando nos 'espiritualizamos' continuamos a conceber a felicidade da forma que sabemos: paraísos, sensações, lugares maravilhosos! Nossa versão de felicidade espiritual não consegue ser mais do que uma hipermundanidade. Continuando a nossa busca por felicidade nos mesmos moldes de sempre, a prática buddhista que para mim é uma espécie de desaprender os caminhos do mundo, em especial aqueles para a felicidade, é corrompida e rebaixada a um paliativo para a tristeza que resurge, para a frustração que resiste, para a insatisfatoriedade que permanece oculta da mente e ativa, como sempre foi, no coração. 
Um buddhismo para uso tópico.
Eu acho que temos que fazer uma escolha: ou ficamos na nossa versão do caminho do meio que é um vagar bobo e assustado entre aquilo que o dhamma revela e a nossa zona de conforto que sabemos ilusória ou damos o passo no Caminho do Meio do Buddha que requer alguma coragem para, ao menos, procurar por uma felicidade que não dependa de resignação com a natureza irremediavelmente ilusória do mundo.

domingo, 8 de agosto de 2010

presente


"...aí, o tio da van (perua escolar), pai, falou que tem umas bebidas que são docinhas..."
"Mas esse Tio Zé, hein meu?!"
"Mas eu disse prá ele que eu nunca vou beber, pai!!"
"É, filho, tem muita água pela frente ainda! Vamos ver, né?"
"...A Aninha disse que o pai dela bebe..."
"É, filho, não é o fim do mundo... Cê sabe, né? O Vô, por exemplo, toma lá as cervejinhas dele... Não é porque o pai não bebe que você deve achar que quem bebe é bandido, viu filho?! Beber é um costume, até certo ponto, normal na nossa sociedade. O exagero e a irresponsabilidade é que são problemas..."
"Tipo beber e dirigir, né pai?"
"Isso! Isso mesmo! Você sabe por que o pai não bebe?"
"Hmmm... Cê não gosta...?"'
"É, nunca achei muito gostoso não... Mas o motivo mesmo é outro. O lance é o seguinte: você sabe que o pai medita, né? E para que o pai medita?"
"Para ficar mais calmo...?"
"He, he... E para ficar mais lúcido, sabe? Ver as coisas com mais clareza na mente... Ter uma visão mais clara do mundo... E o que a bebida faz?"
"Deixa bêbado!"
"E um bêbado não vê as coisas com muita clareza, né?"
"He, he..."
"Então, como que eu vou fazer uma coisa e mais outra que é o oposto daquela?"
"Que nem fazer um muro num dia e derrubar no outro..."
"Isso! Isso mesmo! Entendeu, né?"
"Entendi... Sabe pai, por isso que eu gosto de conversar com você! Você explica bem as coisas... Fala de uma coisa aí põe outra no meio que explica a outra coisa... Fica melhor de entender!"
"Que bom, filho! Eu também gosto muito de conversar com você! O pai gosta de explicar porque gosta de entender. A gente precisa ser assim: aprofundar-se nas coisas, esclarecer... Quem fica na superfície é bolha."
"He, he, he... É pai! É isso mesmo!"


Desafio a um eventual pai que ler este texto a dizer que ganhou presente melhor!!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

yoniso manasikara

Sempre que fazemos contato sensorial com algo e não lembramos de que este algo nada mais é que matéria e mente (ou só matéria ou mente...), não lembramos de que é impermanente (anicca), não lembramos de que é vazio  de uma essência (anatta), não lembramos de que é insatisfatório (dukkha), não lembramos de que é dependente de causas e condições, estamos funcionando em ayoniso manasikara. Funcionando sem a atenção sábia.
Funcionar sem atenção sábia é, estritamente, causa para sofrer. 
Parece simples, não?

terça-feira, 20 de julho de 2010

paccayata

Só dia desses é que comecei a ler atentamente a tradução de um texto que foi feita e enviada por um amigo de dhamma já há um bom tempo e a me lamentar por não ter começado antes.
O texto é sobre metta.
Logo no início há as condições que devemos buscar para uma prática efetiva de metta, a prática do amor tal como ensinado pelo Buddha, tanto em meditação formal quanto no que sobra daquilo que vivemos. Fala que contentamento é uma destas condições, uma das principais.
Uma mente que não sente contentamento, que acredita ser impossível comer um só, não está preparada para uma efetiva prática de metta. Por mais que o amor esteja no ar, entrando por nossos olhos e ouvidos o tempo todo, ele não mexe com a nossa cabeça de modo verdadeiramente benéfico. Acho que nunca antes na história dessa humanidade fomos tão bombardeados pelo amor e ainda assim tão necessitados dele. Ao menos daquele amor ensinado pelo Buddha.
O que estalou de imediato na minha cabeça foi a afirmação do Venerável Buddharakkhita que uma forma de auferir a sanidade de uma sociedade é saber o quanto de contentamento há nela. E todos devemos saber que contentamento seja talvez aquilo que o nosso modelo de civilização mais abomina.
Para que continuemos temos que querer sempre mais.
Um buddhista, ou qualquer pessoa que se interesse, precisa refletir sobre a relação que há entre este pavor do contentamento e matar pessoas e servir os pedaços para os cães.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

ainda sobre o s

Às vezes alguém comenta que embora medite já a algum tempo, ainda é vítima de estados mentais venenosos, tais como raiva, aversão, anseio, etc.
Quando a pessoa diz "eu medito", ela geralmente quer dizer "eu sento e pratico a técnica".
Isso remete àquele imbróglio aludido no s do samadhi
A técnica do sentar é só um terço do Caminho, o cultivo da mente/coração ensinado pelo Buddha.
O ensinamento do Buddha conduz a um coração cada vez mais liberto de estados mentais venenosos, mas para isso é preciso que todo ele seja trilhado. É um mal-entendimento que nos leva a pensar que a técnica do sentar é um ritual mágico capaz de resolver todos os problemas para nós.
Se não nos mantemos ardentes na prática após nos levantarmos da meditação, não estamos praticando o que o Buddha ensinou. A mente que sai da meditação precisa manter as experiências e percepções o melhor que puder. Disciplina ética e o exercício de reflexão sábia (yoniso-manasikara), a reflexão que tem por parâmetro aquilo que apreendemos intelectualmente pelo estudo do buddhadhamma ou dos insights que obtemos, alimentam a chama ardente que transforma a mente. Um esforço consciente e consistente é necessário o tempo todo para que a meditação, o sentar e praticar a técnica de tranquilização e enfoque da mente, surta o efeito.
E uma coisa alimenta a outra.
No ciclo do samsara não há um começo discernível. Mas há pontos de oportunidade por todo ele. Precisamos atacar todos estes pontos se quisermos cessar este ciclo. Eu acho que foi isso o que o Buddha ensinou.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

mentira, mentira, mentira

Desde que comecei a ler este texto do bikkhu Bodhi, ponderá-lo e mantê-lo como referência em comparações e estudos, minha compreensão sobre os preceitos buddhistas, sobre sila, vem se transformando, ganhando clareza e fortificando minha convicção no Caminho.
E, especialmente o trecho em que ele disserta sobre o abster-se de mentir, abster-se do uso da comunicação como recurso para o engano, me gerou uma percepção que,  talvez de tão  aparentemente simples depois de surgida, me enche de uma energética alegria a cada vez que o contemplo:

It is said that in the course of his long training for enlightenment over many lives, a bodhisatta can break all the moral precepts except the pledge to speak the truth. The reason for this is very profound, and reveals that the commitment to truth has a significance transcending the domain of ethics and even mental purification, taking us to the domains of knowledge and being. Truthful speech provides, in the sphere of interpersonal communication, a parallel to wisdom in the sphere of private understanding. The two are respectively the outward and inward modalities of the same commitment to what is real. Wisdom consists in the realization of truth, and truth (sacca) is not just a verbal proposition but the nature of things as they are. To realize truth our whole being has to be brought into accord with actuality, with things as they are, which requires that in communications with others we respect things as they are by speaking the truth. Truthful speech establishes a correspondence between our own inner being and the real nature of phenomena, allowing wisdom to rise up and fathom their real nature. Thus, much more than an ethical principle, devotion to truthful speech is a matter of taking our stand on reality rather than illusion, on the truth grasped by wisdom rather than the fantasies woven by desire.

Traduzindo pode ficar assim:

É dito que no curso de sua prática rumo ao despertar ao longo de muitas vidas, um Boddhisatta pode quebrar todos os preceitos morais exceto o compromisso de falar a verdade. A razão para isso é muito profunda e revela que o compromisso com a verdade tem um significado que transcende o domínio da ética e até mesmo da purificação da mente, levando-nos ao domínio do conhecimento e da existência. A fala verdadeira provê, na esfera da comunicação interpessoal, um paralelo com a sabedoria na esfera da compreensão individual. As duas são, respectivamente, as modalidades externa e interna do mesmo compromisso com o que é real. Sabedoria consiste na realização da verdade, e por verdade (sacca) não se entende apenas uma afirmação verbal, mas sim a natureza das coisas como elas realmente são. Para realizar a verdade, nosso ser inteiro deve ser conduzido em conformidade com a realidade, com as coisas como elas são, o que requer que, na comunicação com os outros, nós respeitemos as coisas como elas são, falando a verdade. A fala verdadeira estabelece uma correspondência entre o nosso ser interno e a real natureza dos fenômenos, permitindo que a sabedoria desperte e investigue a sua real natureza. Assim, muito mais que um princípio ético, a devoção para com a fala verdadeira é uma questão de tomar posição em favor da realidade ao invés da ilusão, da verdade apreendida pela sabedoria ao invés das fantasias tecidas pelo desejo. 

E observando o mundo comprovo a onipresença da mentira.
Como gostamos de estórias.
Gostamos de todos os tipos de mentiras: desde aquelas inofensivas, contadas por aquele mentiroso compulsivo que há em quase todo grupo de amigos, aquela pessoa que sempre tem um fato engraçado, pitoresco ou interessante para contar de uma vez que aconteceu com ela, até as dos terríveis mentirosos que nos prometem tanto tantas vezes. Que aparecem a cada ciclo eleitoral com soluções arrojadíssimas para inúmeros problemas que a mera honestidade solucionaria.
Adoramos a beleza dos fotoshops, dos efeitos especiais, das maquiagens e roupas.  Adoramos os aromas dos perfumes. Nos deleitamos com os sabores da existência. O progresso nos oferta, cada vez mais, infindáveis opções de fantasias e proteções.
Dentro destas armaduras a realidade segue.
É uma opção que é feita cada vez mais às cegas. Tudo é mantido e engendrado de tal forma  a nos fazer ignorar que há algo que não se pode deter por baixo da cobertura. E é por que todos gostamos! É da natureza de avijja, o mal de que todos padecemos, gostar disso. Não é  'por mal' que mentem para nós. E porque mentimos. Num sentido mais fundamental, parece que nos enganamos porque só sabemos viver assim.
Até que alguém desperte!
Não é fácil aceitar que mentimos. Aceitar que construímos a vida, mesmo coisas das quais gostamos tanto, sobre algum(s) tipo(s) de mentira. E que até mesmo o gostar pode ser mentira! Aquele mentiroso do nosso grupo não é boa companhia? Alegre, divertido, descontrai! Faz a gente rir! Sempre está acompanhado. Quem não tem o dom de contar estórias não é tão popular. Sua vida comum e sem aventura não interessa a ninguém! Nem a ele mesmo!
Não sabemos o valor da realidade.
Nossa ignorância nos assegura que pensar em morte, envelhecimento, doença e introspecção e auto-conhecimento é uma coisa desagradável. Parece que temos que optar pela beleza da rosa ou pela matéria podre que lhe possibilita a vivacidade!
Será que precisamos escolher entre esta dualidade? Ou existe uma possibilidade de ver a inadequação que existe em ambas as aparências?
A atenção diligente nos permitirá ir além. Tanto das mentiras que nos contamos quanto da realidade que nos amedronta. Se vencermos o medo inicial e persistirmos com confiança, o Buddha nos oferece a paz de não precisar escolher. Nos diz que a visão da realidade nos liberta da dependência dos gostos e desgostos para nos sentirmos vivos. Nos livra do apreço pelas construções, pelos engendramentos que parecem dar graça às nossas vidas.
Talvez eu continue...

domingo, 4 de julho de 2010

o sonho não acabou

Nem bem acabou o jogo e todo mundo já falava que 2014 tá logo aí! Vamos trabalhar muito até lá!
Parece-me um tremendo pâncio da realidade.
O sonho não pode acabar. E agora um sonho cheio de mais maravilhas!
O sonho de que copas são boas para os países sedes. O sonho da geração de emprego. Dos benefícios econômicos. O sonho da vitória. Este, sempre o carro chefe! O sonho de que, além da festa, teremos felicidade.
Quem se interessa pela realidade com tanto sonho bom pra sonhar? E se há o risco de algum barulho acordar alguém, abafe-se este barulho!
Dias antes eu dizia, num bate-papo, que se num passe de mágica acabássemos com a mentira e a esperança o mundo pararia. Frase que eu tirei de algum lugar do qual não lembro.
Taí. Pode ser que o moleque lembre dela.
Não podemos parar.
Precisamos manter acesa a chama.
Como o Buddha disse no Sutta do Fogo.
Continuarei a falar sobre mentira.
Tenho sido perseguido, de verdade, por essa idéia...

sexta-feira, 25 de junho de 2010

o s do samadhi

Foi só um exemplo, tentativa de metaforizar a forma como eu venho aprendendo a meditação, o cultivo da mente/coração. Mas um kalyanamitta gostou e sugeriu que eu escrevesse mais sobre o assunto.
Vamos lá!
No início da minha prática, meditação era uma coisa! Era um evento assim, um momento especial. Sentava ali com aquela missão: meditar. Um compromisso. Como estudar para uma prova... Ou ir para a escola. Ou qualquer outra das coisas pelas quais "momentificamos" os nossos dias. Fotografamos, pintamos as cenas da nossa realidade e entramos numa. Depois pulamos para outra e assim seguimos pelos fotogramas compondo nossas existências. Unindo um ao outro só com o ilusionista poder do "Eu estava lá, agora eu estou aqui. Eu fiz isso, depois eu farei aquilo..."
Mas o buddhadhamma vai revelando.
Caminhando pelo Nobre Caminho é que a gente vai juntando as imagens. As fronteiras vão se tornando mais e mais estorvantes. A luz do samadhi se fortalece pouco a pouco e vai iluminando a inteireza da vida que as sombras do ego encobrem. A disciplina  e a vigilância nos impedem de cochilar entre um quadro e outro, a resolução das imagens que captamos são ampliadas e abandonamos pouco a pouco o modo de viver entre intervalos. Até o dia em que não houver mais o que juntar!
Mas a metáfora foi outra!
Foi o seguinte:
Achei que o Ayrton Senna, que eu fui conhecer melhor só depois da tragédia, que antes era só o cara que tinha a mania de carregar aquela bandeirinha quase todo domingo, tem algo a ensinar sobre meditação.
É triste essa coisa de não atentar aos vivos.
Ainda bem que sempre bradei aos ouvidos interessados minha intensa reverência intelectual pelo Saramago!
Depois da morte do campeão eu fui levado pela enxorrada de fatos e relatos e o que mais me chamava a atenção era a idéia que eu apreendia da forma pela qual ele vivia o esporte que escolheu. Uma imagem forte que eu compus foi a do cara  que se dedicava e amava tanto o que fazia que não via diferença entre treinos e corridas, era só o pilotar! Todo o tempo, sentou no cockpit, é pilotar!  O mesmo fascínio e prazer, fosse competindo, fosse reconhecendo pista, fosse testando carro! Enxergo tanta paixão na maneira como ele construia sua carreira, trabalhava e até pensava sua arte que minha admiração cresceu e ficou. Me encantei muito mais com esta versão, com este espírito, do que com o dominical portador da bandeira nacional e grande vencedor. E sempre que penso no Senna, é isso que em mim evoca: dedicação, esforço, diligência. Que extrapolam para além do exercício, do aparente objeto. Que tomam conta da vida. Sem diferir.
E foi esta, literalmente, a metáfora que usei para descrever tudo o que disse antes.
E, claro, fica aqui uma lembrança e mesmo homenagem de um blog buddhista ao grande campeão que, além de tudo, inspira algo em  minha vida espiritual.
Pã-pã-pããã...  Pã-pã-pããã... 

quinta-feira, 24 de junho de 2010

os urubus

Ele me disse que estava de saco cheio! Até do buddhismo!
E eu entendi. 
Porque a vida é... Sei lá! Só sei que ela está com a razão. 
Lembrei do dia em que os urubus me trouxeram a paz.
Estava indo trabalhar, com a cabeça pipocando de problemas. Proliferação de pensamentos sobre a situação: como as coisas estão, como poderiam ficar, como eu temia que ficassem, como eu gostaria que fosse... "O que aconteceria se fosse assim?... E se se eu fizesse isso?... E se tivesse feito?... E se acontecesse...? Se eu não fosse...!"
E etc. Como todo mundo sabe como é...
Ouvia The Jesus & Mary Chain, uma banda da minha adolescência e pensava. Pensava muito...
Na beira da estrada apareceu uma revoada de urubus. Daquele jeito de quando descobrem carniça. E me trouxeram de volta à lucidez! 
A morte! A poderosa consciência da morte!
Nada, nenhuma força no mundo vai impedir que isso termine! Não importa quanto eu pense, pondere, especule e me castigue, isso passa! E este corpo vira, se não literalmente, comida de urubus, certamente, comida para urubus! E pensei se estava passando meus impermanentes momentos de uma forma útil, hábil. Que bem havia em tanto pensamento...
Tomei uma consciência muito agradável ali de como vitalizamos coisas com base apenas em fantasias e expectativas. Enquanto morremos, perdemos muito tempo de vida.
Abaixei o som, inclusive dos pensamentos, e segui o rumo que me cabia seguir naquele momento. 
Respirei consciente de que cada respiração me levava.
Grato aos urubus.

terça-feira, 8 de junho de 2010

relatividade, baladas e sementes

Trabalho com uma rapaziada bem legal. 
Tem uns corôas de mim para cima também, mas a maioria ainda não chegou nos trinta.
E a gente conversa.
Dia desses chegaram do refeitório me intimando: "Jorjão (que é a versão deles de mim) o que que cê andou falando na cabeça do fulano (um dos moleques)?" E eu: "Eu!? Por quê?!" E eles: "O cara tá lá com uns papos loucos de que o Schumacher (o piloto) está envelhecendo mais devagar que a mulher dele!!" E eu demorei um pouco para atinar. Fiquei com a boca aberta um tempo, com uma cara de idiota bem minha  até lembrar de um papo que tive com o tal carinha sobre relatividade!
Ciência é um assunto  do qual eu gosto e a gente teve lá um  papo, um dia, e conversamos sobre os efeitos da velocidade sobre o tempo e tal de acordo com as idéias do Einstein (E = m.c²). Pois acho que ele gostou de saber que, embora infinitesimalmente irrisório, o tempo passa mais devagar para o Schumacher quando ele está lá nos seus treinos e corridas a centenas de quilômetros por hora.
Bom, tendo lembrado, eu expliquei a tal conversa para os inquisidores e eles ficaram intrigados também! Os meninos, na maior parte das vezes, me dão ouvidos, principalmente nesses assuntos menos populares (acho que me tem como uma espécie de Tio Google), mas teve lá um dos coroáveis como eu que saiu com um "É, essas coisas são interessantes mas não para nós, né? Isso é útil para os inventores, cientistas... Para piões como a gente não faz diferença essas teorias..."
Pois bem, a molecada de hoje abusa. Bebe demais, baladeia demais, se arrisca demais... E eu estava conversando com um em outro dia sobre como as coisas são e como elas parecem ser. Sobre como parece que a gente precisa de diversão, distração, prazeres o tempo inteiro e todo o tempo mas que, na verdade, pode não ser assim. E foi com um dos inquisidores de então!
Eu fiz o link óbvio naquele momento: "Lembra aquele dia em que conversávamos sobre o modo como as coisas são e como parecem ser?" E ele: "Ã-hã." E eu: "Então.  Saber da teoria da relatividade nos mostra como que,  se mesmo em questões tão concretas como essa do tempo e espaço nosso senso comum nos engana tão grandiosamente, imagina para aquelas mais sutis da mente, comportamento humano e coisa e tal..." E o menino ficou lá uns três segundos pensando naquilo.
Nenhum conhecimento é impróprio viu, ô corôa!? O que precisamos, às vezes, é buscar uma aplicação prática para ele.
Sendo buddhista, que esta aplicação seja para a cessação de dukkha é o ideal.

terça-feira, 1 de junho de 2010

presença de anicca

"A única certeza nesta vida é a mudança!" Filosofávamos numa conversa...
Meu camarada contava como eram os planos de seu pai: comprar um grande terreno, construir casas para os filhos e ter todos juntos. Mantendo a tradição de festas e reuniões familiares animadas e calorosas.
O pai separou-se da mãe e mora na Bahia. Os irmãos todos estão também quilometricamente separados.
"O que nos faz pensar que será diferente conosco?" Falávamos... 
"Quantos planos já tivemos que refazer, adaptar, abandonar...?"
"Vou construindo a minha casa já morando dentro dela. Resultado: Um cômodo vai ficando melhor que o outro! Quando termina um, o outro já precisa de reforma! E as coisas quase nunca saem como planejado... Há sempre uma coisinha..."
"Será que a vida dos famosos e endinheirados é diferente?"
"Acho que não... Eles tem que se virar contra outros tipos de mudança, mas o tormento é o mesmo (talvez pior): fazer plásticas, academias, lutar com a mídia... Tem sempre gente mais bonita, mais 'talentosa', mais escandalosa surgindo. O público consome vorazmente!"
"E o cachê cai!"
Quanto maior a ilusão de controle, e dinheiro e fama parece que aumentam consideravelmente esta ilusão, maior o tormento a medida que os castelos vão caindo... Ou seja, o problema não está lá fora, nas condições externas, como sempre...
Havíamos começado este colóquio falando da pressa do tempo...
"Olha só, já estamos no meio de mais um ano!"
"Percebe como as coisas vão perdendo a graça? As datas, as copas, os aniversários..."
"De certo modo é bom... Vamos, probabilisticamente ao menos, chegando perto da morte, é bom que desencantemos dessas coisas todas. É tudo uma repetição só..."
"A graça vai sendo a própria mudança! O interessante passa a ser só a percepção das ilusões, das grandes bobagens que podem ser as vidas..."
E fomos dormir pra trabalhar no outro dia.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

não é

não é o tempo que nos consome
é nossa vontade de parar o tempo
a ilusão de ter tanto para fazer
ver tanto propósito

mentir é o que nos consome
mentir que a morte não vem
mentir que há alguém para morrer

o esquecimento é o que nos consome
o sonho
imaginações e planos nos consomem
preocupações e pressas
construções e idéias
reformas

as formas é que nos consomem
formas atribuídas, não percebidas
os preços que cobramos por nós mesmos e os negócios feitos em nome de um sem fim


o fim não nos consome
é o início
o início que queremos dar a tudo
a sêde de chegar num ponto

um ponto em que possamos estar
livres de ser consumidos
seguros, firmemente enterrados no conforto que construímos pelo tempo a fora
mas não é assim
não é

sexta-feira, 30 de abril de 2010

não, peraí!

Pus para ouvir um CD dos Racinais MCs e meu filho disse: "Pai!! Cê tá ouvindo rap?!!... Cê é meio louco!"
Horas antes conversava com um kalyanamitta sobre como concebemos o mundo sobre versões. Sobre as versões que nos chegam e sobre aquelas que construímos. 
A versão de pai do meu filho não ouvia rap até ontem! Dali então, a versão é de um pai meio louco! 
Embora eu sempre tenha ouvido rap.
A gente precisa ter atenção para a diversidade das coisas. O hábito de dizer "não, peraí!" precisa ser cultivado. As histórias que nos chegam e  as que criamos podem ser muito boas, mas até que ponto elas convergem com a lucidez?  Será que elas nos estimulam ou nos anestesiam com uma reconfortante preguiça de refletir um pouco? E, o pior de tudo, será que preferimos elas à lucidez?
Numa outra conversa com outra pessoa, é de preceitos que falamos. Do meu ponto de vista, meu interlocutor defende, de uma forma geral, a idéia de que os preceitos deixados pelo Buddha podem ser reinterpretados diante das necessidades da pessoa. Parece-me o mesmo ponto! Criamos a nossa versão do mundo e passamos a adaptar tudo a ela. Muitas vezes sobre a saudável noção da idolatrada liberdade.
Por em cheque a própria sanidade dói. Quem gosta de doença? Mas se queremos praticar o dhamma do Buddha, precisamos ter a coragem de procurar a nossa!
Dias atrás eu li que um cientista pediu para que outro não explicitasse as falhas que existem no sagrado modelo Big-Bang (a teoria sobre o início do universo) para que não desse margem ao aparecimento de dúvidas entre os não iniciados! Como se questionar fosse um impedimento ao progresso científico! Vejam só! Até aqui cria-se um modelo e adapta-se o resto a ele!! Até a racional ciência!
Os Racionais fazem uma boa música, na minha opinião! E, principalmente, boa poesia! Os rapazes nos contam como é um lado da vida que chega composto e acabado para uma grande parcela da população viciada em versões. Viciada em acreditar. A versão deles tem beleza, ao seu modo! 
Ou a beleza surge da reflexão?
Viver num mundo sem solidez, em constante mutação, vendo o conflito que subjaz na origem, as tensões, incongruências, divergências... Ver que o mundo é produto, fundamentalmente de ausência e não de certeza, clareia a mente! Liberta! E a fortaleza da compreensão se sustenta sobre a fluidez da reflexão. 
Nesta indestrutível fortaleza passamos junto com a vida. E ouvimos de tudo mas, idealmente, nunca sem refletir um pouco...

sábado, 24 de abril de 2010

meditar é preciso

O professor Ricardo Sasaki (Dhammacarya Dhanapala), fundador e diretor do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda, estará em Portugal de 11 a 19 de maio de 2010 para palestras e retiro.
Que o dhamma antigo lá floresça!

  • 12 de maio (quarta): Palestra em Aveiro: “Entendendo a vida com profundidade”
Local: Aveiro, R. João de Mendonça, 31, 1º Esq. A.
mapa
Horário: 19h30 às 21h30
Telemóvel: 963473307
E-mail: yogaintegralaveiro@gmail.com
Contribuição
: €15
Informações e inscrições: nalanda@nalanda.org.br &
nalanda.pt@gmail.com – tlm 963473307 (de segunda a sábado das 16h às 19h ou envie sms p.f.)
  • 13 de maio (quinta): Palestra no Porto: “Karma e desequilíbrio”
Local: Espaço Open Rua Mota Pinto, 42F, sala 106, 4100-353 Porto
mapa
Horário: 19h30
Telemóvel: 918177258
E-mail: nalanda.pt@gmail.com & nalanda@nalanda.org.br
Contribuição: €15
Informações e inscrições: nalanda@nalanda.org.br &
nalanda.pt@gmail.com- tlm 918177258 (de segunda a sábado das 16h às 19h ou envie sms p.f.)
  • 14 a 16 de maio ~ Retiro: “Meditando entre amigos”:
Tema: Um fim-de-semana para conversar e praticar sobre a meditação da observação vigilante, presença benéfica e a amizade no caminho’, baseado em ensinamentos e passagens do Buddha e Aristóteles. Palestras, investigação e a prática meditativa (samatha-vipassana) num ambiente de reflexão, silêncio e tranquilidade. Tanto quem nunca meditou, como aqueles já com experiência são bem-vindos para este retiro.
Local: Casa de retiros Santa Paula Frassinetti, Rua do Colégio do Sardão, 365, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia.
Chegada: Sexta dia 14, a partir das 17h00 (aconselhável, sobretudo para quem vier de longe); ou sábado às 8h30
Partida: Domingo à tarde.
Lembrete: No dia 14 de Maio, o Papa em sua visita a Portugal desloca-se ao Porto, onde celebrará às 10h 15m uma missa na Avenida dos Aliados, e sai de Portugal às 14h do aeroporto Francisco Sá Carneiro. Já não devem apanhar trânsito no percurso para Vila Nova de Gaia, no entanto é bom lembrar que é sexta-feira.
Condições: Quartos individuais, alguns com casa de banho a partilhar; refeições vegetarianas
Contribuição: €110 (inclui refeições e alojamento)
Informações e inscrições: nalanda@nalanda.org.br &
nalanda.pt@gmail.com - tlm 918177258 (de segunda a sábado das 16h às 19h ou envie sms p.f.)
  • 17 e 18 maio (segunda e terça): minicurso em Braga: “Introdução à Meditação Vipassana”
Temas: ¨Por que meditaçao?¨ ~ a meditação enquanto prática mais ampla | meditar para lembrar do mais importante | como não pode haver felicidade sem a atividade contemplativa | a essência de ver claramente de forma serena
Local: Rua D. Jorge Costa, nº 12, 5º dtº, 4715-289 S. Vítor- BragaContribuição: €35
Informações e inscrições:
cristinatai@gmail.com | nalanda.pt@gmail.com | nalanda@nalanda.org.br – tlm 91 105 80 54 (de segunda a sábado das 16h às 19h ou envie sms p.f.)
Nota: Por favor, leve uma almofada para se sentar e meditar.

Nota: Não tem realmente condição de colaborar com o sugerido para qualquer desses eventos devido ao custo ? Ou não pode colaborar com o valor total? Converse conosco. Acreditamos na importância de manter um equilíbrio saudável entre os custos dos eventos oferecidos e as condições financeiras daqueles que os recebem, sem nenhuma exploração de nenhuma das partes.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

estamos vendo

Estamos vendo coisas terríveis acontecendo.
E tem gente ganhando dinheiro para dizer que a culpa é nossa, e tem gente ganhando dinheiro para dizer que a culpa não é nossa! O fato é que, com um pouco de bom senso e informação, podemos ver que há lixo demais, poluição demais, gente demais, consumo demais. O que fazer diante disso depende, como sempre, de cada um. Se tem solução eu , como muitos, não sei, mas faço o que acho que devo com base nas minhas próprias impressões da desgraça que se avoluma e que me cerca.
Meu estado natal, onde fica a cidade sede das olimpíadas de 2016 sofre, exatamente agora, os resultados que sempre vem de causas e condições. 
O emaranhado é tão grande! As condições são tantas: irresponsabilidade, ganância, corrupção, ignorância, sobrevivência, descaso, negligência... E, estas, podem ser atribuídas a todos os envolvidos, em diferentes graus.  Inegável é o fato de que aqueles que tem o poder devem se fazer mais senhores das condições. Deveriam exercer sua vontade para minimizar o  descomunal sofrimento que surge de tais eventos e, num mundo sensato, evitar aqueles que for possível.
Não consigo abandonar o pensamento que ricocheteia na minha cabeça sem parar: com morros desabando, chuva caindo e não tendo mais para onde escorrer, a cidade afogada pelo caos, não houve uma pessoa capaz de imaginar que num local em que há casas construídas sobre um lixão haveria uma tragédia logo, logo? Houve, claro que houve!  Há gente paga para isso! Mas a tragédia aconteceu. O Morro do Bumba, em Niterói, desabou sobre as pessoas que moravam nele.
As pessoas constroem suas vidas sobre o lixo, sobre tobogãs de barro, em beira de precipício, umas sobre as outras. São causas de sofrimento quando estas construções são meramente metafóricas! Nós, Buddhistas deveríamos entender bem disso. O que dizer quando não são? Todos entendem. Todos veem. Todos sabem. Todos permitem.
Nós estamos vendo coisas terríveis acontecendo e vendo que coisas terríveis vão acontecer. Por que tem sido sempre assim. Nessas situações, sempre aparecem pessoas que falam em começar tudo de novo... Eu sempre torço para que não recomecem do mesmo jeito.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

conversando

- ...mas, sendo buddhista, você acredita em reencarnação...?!
- sim, digamos que sim. embora o termo "técnico" não seja reencarnação, eu acredito que a vida não termina naquilo que chamamos morte...
- então! é uma crença!
- sim! o lance é que eu (nós, buddhistas) não baseamos a nossa prática religiosa nesta crença. a nossa base é que aquilo que o Buddha ensinou, o Caminho de prática que o Buddha ensinou, dá frutos no aqui e agora, a qualquer momento. quer acreditemos em "reencarnação" ou não. 
aliás, a menção ao resultado no presente da prática do Caminho é feita pelo próprio Buddha nos textos do cânone páli. embora eu tenha já visto, e você possa vir a ver, que isto é coisa de um "ensino mais elevado", os monges da tradição Theravada, a mais antiga, recitam isto diariamente... e mais aliás, a leitura dos suttas pode revelar e esclarecer muita coisa! há passagens, princípios, ensinamentos que são atribuídos a diversas fontes, mas que estão lá, nos primeiros suttas, desde há muito preservados pela tradição antiga...

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Por que manter um blog sobre Buddhismo?
Por que eu gosto!
Gosto de escrever e gosto do Buddhadhamma! Considero-me um privilegiado por ter um imenso prazer em tratar com o Buddhadhamma. Seja estudando, lendo, conversando, escrevendo ou praticando! 
E não é assim que as coisas parecem ser hoje em dia? Partilhamos daquilo de que gostamos?

sábado, 27 de março de 2010

o sentido

O Buddha diz que se não houvesse o prazer no mundo, os seres não engendrariam a adesão ao mundo. 
O modo de funcionar dos sentidos é este: prazer e dor. E neutralidade. Esperar que chocolate um dia pareça jiló é ilusão! Chocolate é bom, para mim e para o Arahant (que goste de chocolate!). 
Não é confiando nos sentidos que a Renúncia será experimentada. A função deles é manter a Roda girando. 
Já a observação sábia dos sentidos, por outro lado, garante um conhecimento crescente de seu funcionamento e o do mundo. E é desse conhecimento que, até que se prove o contrário, surge o desgosto, o afastamento e a Renúncia.
O Buddha não ensina a transformação do mundo. Ensina, meramente, sua compreensão.

quarta-feira, 24 de março de 2010

bom proveito

Aproveite a alegria!
Nos momentos de frustração, irritação, desânimo é muito difícil praticar! Quanto maior o ego, maior tendem a ser os quereres e, em consequência, os desgostos. 
Mas, talvez, baste alguma coisinha dar certo para o bom humor dar as caras. 
Não se deixe enganar por isso! Aproveite a alegria para concentrar-se. Medite! 
Uma mente feliz se concentra com muito mais facilidade.
Aproveite a alegria! 
Ela não dura para sempre.

segunda-feira, 15 de março de 2010

all day, all day... domino dancing

Quando eu era criança houve a onda do dominó. Uma série de reportagens no Fantástico sobre pessoas que montavam aquelas longas e belas imagens de dominós que caíam durante hipnotizantes minutos. 
O Fantástico era fantástico!
Aquele negócio de outro mundo ficava na minha cabeça pela semana e as tardes depois da aula  eram animadas pelas minhas próprias elaboradas sequências. Conseguir mais caixinhas de dominó era uma necessidade tremenda.
Mas, em momentos mais contemplativos, que não eram raros na minha infância, estas imagens serviram para que eu construisse uma visão da realidade que me cativa até hoje: o mundo é como uma sequência de dominós! Uma queda sem fim (nem começo)! Passei bons momentos "vendo" tudo a minha volta desse jeito...
Lembrei disso agora ao acabar de ler este texto do Marcelo Gleiser. 
Não sei exatamente porque lembrei... Talvez o fato de ele defender a importância da assimentria tenha me remetido ao desequilíbrio que é o imperativo para a queda dos dominós...

sexta-feira, 12 de março de 2010

desculpas

Ah, mas Jesus era O FILHO DE DEUS!!!
Esta frase eu já ouvi algumas vezes. Algumas, de minha mãe, uma fervorosa cristã.
Ela serve para justificar nossos erros, nossas incapacidades. Principalmente quando somos confrontados com aquilo que, supostamente, deveríamos fazer. Ou não fazer. Serve para nos colocar em nosso lugar. Delimita a fronteira e nos tranquiliza: "Tudo bem, eu sou só humano! Piso na bola..."
O Buddha nunca se proclamou nada mais que humano. Um humano Desperto, apenas. Mas, ainda assim, damos um jeito de fazer um raciocínio semelhante.
Falar no Despertar, em nibbana, em atingir a meta final do Caminho pode causar certo constrangimento, às vezes, para quem fala. Existe a idéia de Eles, os Iluminados. "Eles acumularam méritos por incontáveis eras incomensuráveis!"
E nos deleitamos em nossa mediocridade. "Sou um reles laico, oras bolas!!"
Não questiono o fato do acúmulo de méritos.
Mas questiono a postura de nos escondermos atrás de uma idéia para justificar a preguiça, a auto-indulgência, o medo.
O Caminho foi exposto pelo sammasambuddha. Existe para ser trilhado. Há uma meta. Um início e um fim. Honrar o Buddha envolve reconhecer nossa plena capacidade de alcançar a meta final. Não for para isso, para que o Caminho? 
Se achamos que não dá, tudo bem! Mas sem desculpas!

segunda-feira, 8 de março de 2010

refresco

Uma pergunta útil a um praticante buddhista: isto me aproxima do nibbana?
Diante do mundo e seus apelos de ação, reação, escolhas, decisões, eu acho que a pergunta acima precisa ser feita por aquele que acredita ter alguma compreensão e/ou fé com respeito ao que o Buddha ensinou sobre este mundo. 
Nem tudo (? - cada um precisa saber o tamanho do ponto de interrogação) que fazemos, por vontade ou necessidade, ainda mais visto que as duas se misturam para a maioria de nós, nos aproxima do nibbana. Mas, uma vez que respondamos a esta questão a cada lembrança que dela  conseguirmos ter, podemos levar uma vida mais consciente e assentada na realidade. Com  menos arrependimentos, ganhamos uma mente mais leve, mais apta ao cultivo. 
Se fomentamos nossa prática por aquela busca expressa nos textos antigos do cânon pali, o permanente auto-questionamento é um meio hábil e salutar de manter os pés no caminho ainda que nas nossas frequentes paradas para um refresco.


Speech by ReadSpeaker