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Buscando...?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

engagement

há um sutta (sedaka sutta) que conta uma história mais ou menos assim: um acrobata e seu aprendiz fariam um número em que um se equilibraria sobre o outro. o mestre acrobata diz ao aprendiz que se um estiver vigilante para com o outro tudo correrá bem. o aprendiz discorda do mestre e diz que melhor seria se cada um se mantivesse vigilante para consigo próprio. o Buddha concorda e elogia o aprendiz explanando o valor da vigilância sobre si com respeito ao bem-estar do outro.
mantenho este princípio sempre na mente. e ele me parece apropriado para que eu desenvolva a ideia a seguir.
de vez em quando me deparo com mensagens e textos que apelam para algo chamado buddhismo engajado. não sei bem do que se trata. mas não sei se preciso saber. pois eu vejo redundância nesta expressão. existe buddhismo não engajado? existe gente que pratica meditação, que vai a retiro, que lê sobre buddhismo e até frequenta grupos. podem até chamar-se buddhistas. mas se o forem, terão necessidade de acrescentar o termo 'engajado' a isto?
eu acho que não.
penso que não há como ser buddhista, principalmente se baseado naquilo que está registrado nos suttas em pali e nos autores que se referenciam naqueles textos, e não se preocupar com, e agir com respeito,  a realidade que circunda. com o sofrimento, a injustiça, o meio-ambiente, a ética. está tudo lá e me parece ser um desenvolvimento que ocorre naturalmente na medida em que nos tornamos mais sabiamente vigilantes com respeito a nós mesmos. de forma que buscar por um engajamento buddhista redunda em buscar por ser buddhista.
durante uma época da minha vida eu trabalhei, brevemente, com um grupo religioso não buddhista de caridade. não me arrependo nem um pouco. ajudei, fiz bem, colaborei com o bem-estar de algumas pessoas. mas dos bastidores eu não guardo lembrança tão enlevante. em algumas reuniões da direção em que participei, senti haver um certo clima muito parecido com o de atividades menos beneficentes: competitividade, vaidade, arrogância, presunção, entre outras. para mim um claro exemplo daquilo que o Buddha quis delinear com a narrativa da ideia do mestre acrobata. visar o outro até dá certo, até ajuda, mas o que efetivamente funciona é vigiar a si mesmo.
este texto, o prof. david loy conclui com o seguinte questionamento:
"é hora de levar nossa prática espiritual para as ruas?"
eu acho que depende.
se realmente for a nossa prática, tudo bem. e o que eu quero dizer com isso é que se formos participar de uma manifestação contra o capitalismo selvagem, é preciso que saibamos a quantas anda a nossa própria forma de consumir e capitalizar; se formos participar de ações de caridade, é preciso que saibamos o quanto somos generosos, em variados sentidos, com respeito àqueles que estão próximos de nós: amigos, familiares, colegas de trabalho...; se formos nos manifestar contra a corrupção, é preciso que saibamos como nos comportamos quando temos a oportunidade de levar algum tipo de vantagem a que outros não tem; e assim por diante.
quando vejo que há tantos milhares de manifestantes contra isso e aquilo, me pergunto se caso esses mesmos milhares fossem o exemplo daquilo pelo que lutam haveria necessidade de tantas manifestações...
é claro que a ideia que expus aqui é o caminho mais longo e difícil, mas a realidade nos garante que nunca houve ou haverá outro. ou é assim, ou o tal buddhismo engajado nada mais será do que mais uma celebração da superficialidade humana que até pode ajudar a algumas pessoas, mas que ao dhamma, e por dhamma eu entendo também a solução definitiva, não ajuda em nada.

***

dia destes, mais ou menos assim, me foi narrado o seguinte:
"e eu estava lá, na fila do caixa, aguardando. quando finalmente chegou minha vez a operadora me disse:
és uma pessoa muito calma, não é?
sim, talvez sim... por quê?
eu estou aqui a te observar todo o tempo... chama à atenção... dá quase para sentir tua tranquilidade..."

para mim, um significativo exemplo de buddhista que prescinde completamente, com vantagem, do termo engajado.


sábado, 22 de outubro de 2011

onde tudo começa

dia destes numa reunião de trabalho houve uma breve digressão sobre segurança no trânsito. o digressor peguntou 'onde começa o acidente de trânsito?'.
cri, cri, cri, cri...
e ele disse 'no momento em que você entra no carro!' e falou sobre tudo o que, num encadear de ocorrências, pode levar ao acidente: estado de espírito, humor, problemas, preocupações, etc.
do ponto de vista tibetano podia haver um bodhisatva ali; do católico, a bênção de são cristóvão; do meu, iddapaccayata.
e pensei na fala do Buddha 'kondana vê, kondana vê!'. e em ajahn chah que nos instrui a estar atentos para o dhamma a nossa volta.
o cara resvalava no Buddhadhamma.
em momentos assim eu sinto o dhamma tocado pelas pessoas. como a gente chega perto do dhamma. como há olhos por trás da poeira.
mas pode ser assunto para outro dia. e, realmente, preciso economizar assunto.
para hoje um paralelo com a meditação é óbvio e breve.
onde começa a meditação?
a gente senta, e busca se concentrar e tal, mas tem tudo o que veio antes frutificando naquele momento. o sentar para meditar, como qualquer momento da vida, ensina o Buddha, é resultado do que veio antes. há fatores que podemos influenciar, apesar de todos que não podemos. e para aqueles que podemos o Buddha nos ensinou a atenção vigilante, a disciplina, yoniso manasikara... podemos conduzir a nossa vida como um contínuo "meditar". e quando sentarmos a coisa só continua num nível diferente. talvez com menos acidentes. talvez com menos expectativa. talvez mais preparados para o que pode acontecer.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

eu acredito - 2

o diálogo foi mais ou menos assim:
como assim? você não crê em deus!?
não.
mas, e tudo a sua volta!? quem fez tudo isso??
é complicado... mas dá para dizer que foi ninguém.
ah, tá! tudo veio do nada...!
não é assim. eu disse que pode ser complicado...
tá bão, tá bão... mas você não tem medo da morte?
ainda tenho. mas mais de noite do que de dia...
haha. mas e daí? morreu, acabou?
pode ser complicado... mas dá para dizer que eu não sei.
não sabe? e você não se importa? não quer saber?
quero, claro que quero. mas prefiro não saber do que acreditar que sei.

E foi o que me trouxe a tentar escrever a continuação do título.
O "2".
Uma continuação do "1".
E a menção a um 'sentido' foi que me pôs a pensar.
A necessidade de um sentido para isso tudo aqui. Um propósito, um plano, como boa parte das religiões põe a acreditar. É um impulso muito forte este. E a minha compreensão do buddhadhamma, até aqui, me faz confiar intensamente no Buddha por que entendo que ele afirmou muito claramente que não há sentido algum! As coisas surgem e cessam muito veloz e ininterruptamente sem qualquer propósito a não ser surgir e cessar e ponto final.
Ou não.
Ponto final, não. Há dukkha. A dor de querer existir numa realidade que é puro movimento. E, talvez, a dor de buscar um sentido no que é pura manifestação. Dois quereres intrinsecamente atados.
E a mim, o Buddha diz que precisamos fazer as pazes com a falta. Cair. Nos manter conscientes da queda sem sentido que é como as coisas são.
Será que dá para vislumbrar um sentido nisso? O sentido da vida é o Despertar para a falta de sentido?
Não sei.
Mas sei que é preciso um Buddha, um Desperto que nos aponte a realidade e nos mostre como conhecê-la.  De outra forma o surgir é só surgir, o cessar é só cessar e não nos damos conta disso. Permanecer neste processo não dá qualquer sentido.
Duro de aceitar.
Dukkha de aceitar.
Aceitar pode não ser o sentido. Mas liberta.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ha!... grande novidade...!

Deveria ter escrito antes. Já faz algum tempo que estou remoendo estes pensamentos e este texto saiu agora e agora eu vou escrever nenhuma novidade. 
Como sempre, aliás. 
Mas, na verdade, acho que quem quer novidade não deve passar em blog buddhista. E muito menos por este aqui. As atenções por este caminho aqui estão muito mais voltadas para o velho, o antigo, o fim, a perda, a separação, a cessação, a morte, enfim, para os outros cinquenta por cento do processo de existir. Aqueles que a gente evita. Somos bípedes tentando caminhar com um pé só: um passo é o surgir o outro é o cessar. Mas queremos andar só usando o surgir, quando usamos o cessar, costuma ser de leve, rapidinho e de olhos meio fechados. Resulta em tropeço e queda, talvez. 
E tentamos cair com o surgir bem firme no solo.
Mas como eu começava a dizer, aquilo sobre o que eu deveria ter escrito, é que uma das coisas que me trouxeram ao theravada, ou ao buddhismo registrado nos suttas em pali, foi sati. Esta palavrinha, quando a ouvi (ou li) pela primeira vez, não me lembro onde nem como, reverberou em alguma coisa aqui por dentro. Ruminava e ruminava e buscava encontrar uma explanação sobre aquela palavrinha tão interessante. Uma vez perguntei a um monge ordenado numa das tradições tibetanas: "como é este negócio da atenção plena?" e ele abordou pelo lado da tomada dos preceitos e tal, que tomar os preceitos ajudava a manter a mente alerta e tal e não foi a resposta que resolveu plenamente o meu problema. Eu achava que tinha mais na tal de sati
E segui insatisfeito e procurando.
Achei o theravada: sati! Aqui se fala de sati! E achei o satipatthana sutta! Deleitei-me neste sutta. Sem apreender muita coisa na época, e tenho muito ainda que estudar, ler e refletir, praticar, enfim... Mas foi o grande momento para o meu caminhar. 
Quando eu li o Buddha dizendo que precisamos manter a plena atenção ao urinar e defecar, esta frase causou mais impacto na minha mente do que qualquer mantra sagrado que já houvesse recitado, qualquer instrução sobre a radiância da mente original que tivesse ouvido, qualquer descrição de reinos acessados por jhanas profundos... Foi um potente "ISSO! É ISSO! É POR AQUI A TRANSCENDÊNCIA QUE EU PROCURO".
E assim está sendo a minha busca. Neste corpo, nesta mente. Nas coisas ordinárias e comuns. Na morte nossa de cada dia. No relaxar a mente e ver o mundo acabando. Tentando levantar e caminhar com os dois pés, o surgir e o cessar. Enfim.

***

dia desses um kalyanamitta me disse: "e aí, quando vai montar seu grupo de estudo? para falar de dukkha, dukkha e dukkha? (rsrs)"
"iiih... hehehe... ninguém gosta de ouvir sobre dukkha!"

Speech by ReadSpeaker