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Buscando...?

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

o dhamma que está mais aquém ll

assim como thor, odin, hércules e outros arquetípicos seres, lúcifer, da mitologia judaico-cristã, também virou personagem de hqs. sua estréia foi na série sandman, escrita pelo premiado neil gaiman.
lá aconteceu dele abandonar o inferno sob a direção de outros e vir morar conosco aqui na terra. mas longe de ser malígno como se crê. ele meramente resolve partilhar de nossa companhia, observando aqueles por quem parece ter algum fascínio ou repulsa. ou uma atormentada confusão dos dois sentimentos.
este lúcifer que então habita a terra, como alguns anos após a sua partida do inferno passa a ser narrado pelo autor mike carey, não sendo a personificação do mal, não estando nem um pouco interessado em tentar e corromper, parece, para um buddhista, mais próximo dos mensageiros divinos que de māra.
este lúcifer ilumina os cantos onde a poeira se acumula, os escuros da criação. e a palavra "criação" o buddhista troca por sankhāra.
este lúcifer parece ter perdido as esperanças. por isso desistiu do mal, desistiu de tentar, de nos mostrar o que vê. segue apenas. e vez ou outra, em seu tédio, deixa escapar alguma coisa que, talvez na sua confusão ainda espere, alguém aprecie.
abaixo, duas de suas falas luminosas na história em três partes publicada recentemente no brasil pela editora panini.

"vivendo aqui entre eles... olhando-os viver e morrer e construir e quebrar... você não pode deixar de pensar em como tudo é impermanente neste universo. nada realmente bem feito. nada feito para durar."

"os filhos de adão cedem tão pouco espaço ao silêncio durante suas vidas e, apesar desta raridade, parecem incapazes de valorizá-lo."


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

o dhamma que está mais aquém


a hq é sobre a vinda dos mitológicos quatro cavaleiros do apocalipse.
eles chegam no ano dois mil, durante show de uma banda de rock gótico que 'celebra' a virada do milênio e o que encontram, uma completa inversão, os deixa tão desnorteados que acabam se reunindo num bar onde, conversando com pessoas movidas por suas próprias circunstâncias desastrosas que acabam se encontrando no mesmo bar, conhecem as versões pós-modernas para a peste, a guerra, a fome e a morte, ou seja, aquilo que deveria ser papel deles trazer está já otimizado.

tomam consciência de que estão ultrapassados e precisam se reciclar.
nesta boa e divertida história um momento se destaca para mim no final, numa das últimas falas do cavaleiro morte. ele diz:
"eu sempre preferi os lentos falecimentos. seus venenos, guerra; sua corrupção repugnante, peste; e todas as suas desperdiçadas obras, fome.
no entanto, o que é melhor que uma morte ardilosa, em que o corpo continua a viver, na qual o cadáver vigoroso não é mais guiado pela razão, mas levado para lá e para cá por meras sensações? o som mais grave, a luz mais brilhante. um mundo de humanos insetos zunindo, zunindo mas sem nenhum propósito e sem qualquer efeito. eu não acredito que nunca pensei nisso antes... agora sim, eles vão me seguir. suas pernas vão levá-los para onde eu for e tudo de que eu preciso é aumentar sua cota de sensações. (...) irei serví-los de novidades sem fim, sem conteúdo ou contexto."
a associação imediata com o dhamma que me surge é o verso do dhammapada que afirma a morte em vida do negligente. para quem quiser se aprofundar, está havendo uma leitura guiada pelo professor ricardo sasaki aqui.
mas há mais.
até onde sei, esta hq escrita por robert rodi e ilustrada por esad ribic para o selo vertigo estadunidense não foi ainda publicada no brasil. abaixo o link para a edição à venda na amazon.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

francamente

uma característica que os meus conviventes me imputam é transparência. alguns dizem que gostam por saber o que eu penso, outros não dizem nada. alguns dizem que 'eu só digo a verdade'. obviamente que esta última afirmação é um exagero, dissesse eu somente a verdade estaria vivendo feliz num eremitério, coisa a que minha capacidade de ser feliz ainda não chega. dependo de uma omissão ou outra, uma concessão aqui, outra ali...
mas, ainda assim, busco o compromisso com a sinceridade, comigo e com minhas relações.
vez ou outra alguém lacrimeja, enrubesce, se afasta ou se assusta. mas quase sempre os pedidos por minha opinião sobre situações ou assuntos continuam, mesmo daqueles de uma forma ou outra contrariados. continua existindo, apesar de toda a predileção por panos quentes, a consciência do poder terapêutico do banho de água fria.
e esta sinceridade com outros é a parte fácil, apesar de tudo. difícil é ser consigo próprio. talvez este o maior desafio para um buddhista: conciliar aquilo que ele vai percebendo, na medida em que sua prática resulta, com aquilo que vê da vida com seus olhos ainda empoeirados. conciliar a limitada capacidade de ser feliz com o entendimento cada vez menos impreciso do que possa ser a felicidade.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

cegueira branca

no filme o diretor fernando meireles, a certa altura, usa um recurso muito interessante para traduzir a experiência da cegueira: numa sala vazia, objetos vão surgindo na medida em que um cego caminha por ela e se 'choca' com o espaço.
o livro homônimo que deu origem ao filme, como a maioria dos que passam por aqui, creio eu, sabe, é o do nosso senhor josé saramago.
logo no início da série de sermões 'nibbana - the mind stilled' explica o venerável ñanananda: "O Buddha disse que o mundano é cego, pelo menos até o olho do Dhamma surgir nele. Assim, o mundano cego reconhece um objeto exatamente pela resistência que ele experimenta ao bater contra esse objeto"o mundano é aquele que segue a corrente do mundo, aquele que não sabe do Buddhadhamma.
mas este 'bater' de que fala o venerável não é aquele de corpo contra corpo, mas de fenômenos 'contra' as seis portas dos sentidos (olho, ouvido, pele, língua, nariz e mente). tal 'impacto', explica o mestre com profundíssima visão, é o que nos causa o expontâneo emaranhamento na 'realidade' samsárica. deste impacto surgem o que ele explica como sendo 'nomes formais', conceitos que sobrepomos ao fluxo do mundo e nos fazemos então cegos para o mesmo mundo tal como é. alguém pensou em sankhāra?
similares aos cegos do saramago, sofremos, enquanto mundanos, de uma 'cegueira branca'. chocando-nos preenchemos espaços vazios com entidades 'sólidas' do tipo eu, você, agradável, belo, feio, vida, morte... formando nomes e nomeando formas, explica o mestre ñanananda. 
não, não é simples nem fácil compreender e muito menos explicar sem compartilhar da visão profunda de um mestre do quilate do venerável ñanananda. mas o bjetivo aqui é meramente instigar, provocar a reflexão, fomentar a curiosidade de analisar, compartilhar o interesse de contemplar com a ajuda, talvez involuntária e mesmo insuspeita, de uma obra que, tanto em sua forma literária quanto na filmográfica, me inculcou a pertinência com respeito a assunto tão fundamental para a vida de um buddhista. e não só este explicitado aqui, há mais para um buddhista refletir nesta obra.
e claro, ainda mais, muito mais, despertar o interesse pelo pensamento do venerável bhante katukurunde ñanananda. infelizmente, só em inglês por enquanto, veja no "mapas no caminho" aí ao lado. 
mas há alguns trechos em português aqui:


domingo, 6 de janeiro de 2013

navegar é preciso

é muito difícil falar sobre sofrimento, sobre dukkha. para a maioria das pessoas, quando você fala em sofrimento você logo é interpretado como alguém que tem algum encosto, ou é deprimido, ou é infeliz, ou é rancoroso, ou precisa se tratar de alguma forma, ou é só chato mesmo. uma chatice mórbida.
mas dukkha, o sofrimento, é cinquenta por cento do que o Buddha afirmou ter ensinado sobre. bom, parece que meio Buddha tinha algum tipo de problema. e grave.
mas não é isto que pensam do Buddha, claro. pelo menos não nós, os buddhistas.
por que não? porque o ensino do Buddha não é uma exaltação do sofrimento, Ele não proclamou a existência absoluta da dor, Ele não queria ser um chato. ao contrário disso, Seu ensino é de libertação, é de cessação de todo tormento, é de consecução da paz plena e completa, por mais que muitos duvidem. e suspeito que não é só não-buddhistas que duvidem disso...
o sofrimento, ou pelo menos aquilo que assim entendemos como, é algo bastante óbvio, certo? quem não sabe que o sofrimento existe? até minhoca sofre. mas o Buddha dedicou metade do seu ensinamento só a este fato óbvio e conhecido até pelas minhocas. estranho isso? não para  muitos, aparentemente. 
muitos não pensam nisso, muitos não pensam em sofrimento, é chato, é mórbido, é coisa de deprimido.
o bom, o ótimo é falar de libertação. de preferência dispensando a outra metade do ensinamento, aquela da qual, afinal de contas, até as minhocas sabem.
o Buddha desperdiçou metade do seu tempo, ao que parece. esta é a conclusão inevitável a que chegamos.
eu não. não é concebível para mim que o Buddha tenha dedicado metade do seu tempo ao óbvio.
e eis a grande sabedoria e poder inigualáveis do Buddha: ele percebeu que o grande trunfo do sofrimento é o fato de as pessoas usarem de todo tipo de estratégia, e são inúmeras e de ótima qualidade, para evitar pensar nisso.
como o grande trunfo do diabo: fazer com que não creiam nele.
por isso o Buddha dispendeu seu sacratíssimo tempo a ensinar sobre o sofrimento. analisá-lo, expô-lo, dissecá-lo em minúcia até revelar sua verdadeira dimensão e abrangência que vai muito além da compreensão das minhocas. e é disso que surgiu Sua completa libertação, do mergulho naquilo sobre o que o resto do mundo navegava. e ainda navega.
mas chega.
não falemos mais disso.
disse o grante poeta: navegar é preciso, viver não é preciso.
exato. exatíssimo.
viver é mergulhar, é cumprir a tarefa, e ver-se impermanente, insatisfatório, vazio, é escrutinar a dor até ser-se a dor, é olhar nos olhos de mara e sorrir.
mas quem precisa disso quando se pode ser feliz como o são as minhocas?

Speech by ReadSpeaker