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Buscando...?

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ícaro

pensar começa a cansar
todas essas idéias girando e subindo e subindo
um revolver de imagens e palavras e conceitos
como corpos sólidos em volta de quê?
de quê??

e uma dor chama de volta para o corpo
para o que está sendo
a paz de estar sendo o que passa
ainda que seja dor
em contraste com o inútil pensar
ser a dor

oniprensente dor a dar sentido

saber a dor
sem pensar
sem crer
sem buscar
sem esperança

(o saṃsāra é um motor total flex que gira muito bem queimando esperança)

o chamado da impermanência
o chamado do sofrimento
o chamado do vazio
baixo e constante

o pensar é um grito
uma fantasia de sabedoria
só a mente no corpo sabe
nada mais

sabe o que está sendo o que é
o pensamento quer
o pensamento espera
o pensamento anseia
e cria, e constrói, e compõe
e foge do que está sendo

chega

ser o sol a doer 
queimar a cera e derrubar em queda ao chão que nunca haverá

sábado, 23 de fevereiro de 2013

todos os caminhos levam ao um, menos um

voltei nesta semana ao livro criação imperfeita do prestigiado físico brasileiro marcelo gleiser. o livro é uma exposição da busca pela unidade e uma crítica a esta mesma busca. 
os físicos anseiam pela lei que unificará os mundos micro dos átomos e seus componentes e macro das galáxias, planetas e pessoas. de quebra a lei explicará tudo do início ao fim. tudo. os metafísicos pela unidade ou clamam já tê-la encontrado e dão os nomes: deus, brahma, essência, um.
o autor afirma que são expressões do mesmo engodo.
desde os primórdios da ciência ocidental, na grécia antiga, os pensadores manifestam esta necessidade de explicar o todo como tendo surgido do um, uma causa primeira, um princípio essencial, uma lei que, uma vez descoberta e compreendida, a tudo dará sentido, explicará, iluminará. de então até hoje a mesma esperança.
em religião nem é preciso dizer. é da mesma raiz a necessidade metafísica de validar a existência. é o mesmo anseio que concebe o divino, a alma, o eterno, a perfeição oculta que afinal nos salva de toda a imperfeição evidente. há, da mesma forma, a esperança de finalmente nos unirmos com a verdadeira essência e aí, só alegria e sentido para tudo. esta convergência exibe o poder da caudalosa corrente do mundo.
mas não. até agora nem sinal de tal unidade. ao menos não em física. em física, segundo o livro, muito há que sugira o existente como resultado de conflito, desequilíbrio, imperfeição, assimetria. as esperanças parecem vãs.
e aí eu só consigo pensar numa palavra, um doce para quem adivinhar...
lendo este livro em paralelo com the concept of empty in pāli literature do ven. medawachchiye dhammajothi thero, eu vou me extasiando com a retidão do Buddhadhamma. reflito sobre o que o Buddha, logo após o despertar, pode ter sentido quando pondera sobre as dificuldades de ensinar o que havia visto. o tamanho do gigantesco problema de afirmar que nenhuma causa primeira pode ser discernida, nenhum criador, nenhuma divindade salvadora, nenhuma essência com a qual se unir, nenhuma alma, nenhum ego, nenhuma perfeição oculta que valide a vida e que esta tão amada existência é, no final das contas, um turbilhão de enganos, uma tentativa, sempre fracassada, de ser, a eternidade de uma ausência impossível de ser preenchida. 
dukkha.
ir da página de um para a página do outro nutre a certeza de que  a frase pubbecahaṃ etarahi ca dhukkhaṃ paññapemi dukkhasa ca nirodhaṃ (tanto antes como agora eu ensino apenas dukkha e a cessação de dukkha) é a chave.
é o todo, é a essência.
visite +Bhante Katukurunde Ñanananda .

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

cem dúvidas, com certeza

paccatta veditabbo.
esta frase, vai que você, assim como eu, entenda quase nada de pāli, significa que o ensinamento do Buddha deve ser experimentado e realizado por cada um, cada um contínuo processo de mente e corpo. e as palavras, os textos, os amigos e os professores são indispensáveis para a maioria de nós. dito isso, passemos à iconoclastia.
desde que terminei de ler o 'confissões de um ateu budista' eu queria falar da minha iconoclastia congênita, sair do armário, embora sempre tenha deixado pistas por aqui, ui!  e o mote final veio no último domingo quando li sobre mais um escândalo sexual envolvendo um respeitado mestre buddhista nos eua. a coisa está triste e feia para ele. não vou dizer quem ou a tradição pois isso é um problema nosso acima de qualquer outra coisa. e penso que o Buddha tenha deixado estratégias capazes de, dentro da Sua disciplina, prevenir tais desvios.
o Buddha foi um mestre religioso que tinha a postura do 'duvide de mim'. o kalama sutta, dos meus preferidos, é o paradigma desta posição. há também uma passagem da qual eu gosto bastante narrada por ajahn chah em que o Buddha pergunta a um dos seus principais discípulos, sāriputta, se este acreditava num ensinamento que havia acabado de receber do mestre, sāriputta disse que não, que precisava por a prova antes, e o Buddha louvou sua atitude.
há outros pontos.
antes de tornar-se Buddha, o jovem andarilho teve ao menos dois mestres aos quais abandonou após concluir que não estavam corretos. e, finalmente uma passagem importante para a minha opinião, quando próximo de Sua morte foi perguntado por ānanda, seu assistente e responsável pela transmissão futura de muitos sermões, quem assumiria Seu lugar como o guia para a comunidade, o Buddha disse que seria o Dhamma, nenhuma pessoa, mas o Dhamma. pode pesquisar.
se precisamos de algo para nos agarrar, muitas vezes o encontramos numa crença, numa fé, numa pessoa. o que o Buddha dizia sobre a fé? que era algo útil desde que sempre posta a prova e alimentada empiricamente. e ninguém desperta ninguém, nem o Buddha. o guia aponta o caminho. só o conhecimento pessoal, direto é o que desperta, e tal conhecimento não é possível se soterrarmos nosso senso crítico, analítico, nosso bom senso sob uma montanha de fé. a fé pode gerar ou alimentar no discípulo o engodo de que um mestre pode fazer o que nem o Buddha fez, e num mestre pode gerar a crença de que ele seja capaz de tamanho milagre. perigoso isso, como atestam os vários casos de abuso por parte de professores buddhistas.
bons amigos, bons professores são necessários. mas os bons e, no caso, bons pelos critérios do Buddhadhamma. um destes critérios eu entendo como 'pode duvidar de mim' e, como comecei lá em cima:, nos cabe o paccatta veditabbo. mas dá trabalho isso. temos que nos esforçar, estudar, desafiar nossas crenças sobre tudo, incluindo nós mesmos, nada tão fácil como crer e confiar cegamente e esperar por uma luz que nos ilumine. mas o que pode surgir disso é uma mão que nos boline.
esta postura tem manifestação em diversos níveis. em listas e grupos de discussão abertos pela rede, e em presenciais da mesma forma, sempre há as pessoas dependentes de crer acima de tudo. tudo que é dito por uma autoridade ou meramente um nome oriental é imediatamente louvado e sorvido com gosto. frases de power point atribuídas ao dalai lama e outros carismáticos mestres, muitas vezes equivocadamente note-se bem, fazem tremendo sucesso. pois bem, foi num grupo virtual deste tipo que um texto foi publicado e saudado como excelente. eu fazia parte do grupo.
aprendi uma metáfora, no buddhismo tibetano, que nunca esqueço: numa tina de água límpida, pingue uma gota de excremento e ofereça para ver se alguém bebe da água, ainda que clara e fresca. no tal texto em questão eu apontei que havia não uma gota, mas uma boa colher de sopa. iniciou-se uma discussão agradável, onde nenhum dos erros que apontei, nenhum dos meus argumentos foi refutado, mas onde se concluiu que o texto era excelente porque foi tal mestre que escreveu, logo só podia ser excelente. e eu, talvez por ser um mero silva, um furtado de sabedorias, estava claramente tomado por impurezas mentais agindo como o arauto da discórdia. ponto final.
sempre procurando estar cônscio da desgraça de ser humano entre humanos, dei de ombros e fui.
pensando em retrospectiva, este me parece ser um exemplo claro, em escala embrionária, da mentalidade que gera os escândalos: a pessoa acima do óbvio, dos registros dos suttas, do bom senso e de qualquer argumento.
incapaz de confiar em qualquer um que diga confie em mim plenamente, em grande parte sou buddhista justamente por isso. e, quando confio, confio agora, amanhã é outro dia.
alguém que afirma conhecer a verdade não deve ver problema em que duvidem dele, como fazia o Buddha. acho que seria bom se muitos buddhistas lembrassem sempre disso, mestres e alunos.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

ligue os pontos

cristopher hitchens, ateu militante, polemista, crítico literário e combativo das religiões em geral, o buddhismo incluso, em seu último livro, no qual narra e pensa a vida enquanto lutava contra o câncer até a morte, escreveu o seguinte: "eu não tenho um corpo, eu sou um corpo". simples e breve assim a frase é digna de atenção e contemplação pelos buddhistas por remeter de forma tão breve quanto profunda ao conceito de anattā e, por extensão, a anicca e dukkha.
anattā diz respeito à cessação, ao apagar, ao nibbāna. o venerável bhante katukurunde ñanananda nos instrui em seus sermões sobre o nibbāna a mantermos nossa atenção no aspecto de cessação dos fenômenos, uma vez que é da natureza da mente iludida focar irrefletidamente no aspecto de surgimento: "a natureza odeia o vazio" foi o que disse aristóteles. enquanto ansiamos sofregamente nos manter no surgimento o saṃsāra continua.
a cessação é o que revela o dhamma visível no aqui e agora, conforme afirmou o Buddha. na simplicidade de estar presentemente atento quando algo que há deixa de haver é que vamos atravessando na jangada do dhamma, impulsionada pela constatação empírica, desta para a outra margem. 
aqui e agora.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

eutro

eu outro
outro eu

numa caminhada pela rua todos carregam em seus corpos as marcas do tempo
cada um consigo a morte em seus sinais

peles, cabelos, andares, gestos, vozes, trombeteiam seus finais

cada um consigo sinais das dores várias, matizes da dor comum de estar aqui assim
carrancas e sorrisos, imagens da dor ou de sua ausência momentânea

temporais

num passeio pela rua tudo aquilo de que somos fermentados conta nossa história

transpirações e perfumes, andrajos e grifes, gritos e silêncio, surgidos há pouco, há muito surgidos cruzamos caminho
como se fôssemos outros
como se fôssemos diferentes tentamos nos preservar
mas andando, para lá para cá, elegantes miseráveis, céleres lentos a mesma estrada

o tudo num caminhar atento por qualquer lugar

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

da ordem das coisas

na primeira página do jornal folha de são paulo de hoje, 1º de fevereiro de 2013: "polícia diz que espuma causou tragédia na kiss".
seguindo, com pouco esforço, a mesma linha eu posso afirmar que "o oxigênio causou a tragédia na kiss". todos sabemos: não houvesse oxigênio, nenhuma chama seria possível. e isso não digo com qualquer intenção de humor ou ironia, pois tudo tem limite, há que se ter respeito diante de um tão hediondo acontecimento. a única coisa que me leva a desabafar por aqui em raciocínio tão pitoresco é que sendo este o meu veículo de, tantas vezes, compartilhar um desabafo com aqueles que por aqui passam, senti que deveria expressar o pensamento que me incomodou de imediato ao ler a chamada: a verdadeira causa da tragédia, me subiu à garganta, é nossa mediocridade. como somos medíocres. 
logo abaixo, no pequeno texto que introduz e indica a matéria completa, é dito que o governador do meu estado e o prefeito de sua capital anunciaram que as autoridades competentes, bombeiros e fiscais, "irão fiscalizar em conjunto todas as casas noturnas, clubes, teatros, cinemas e auditórios da cidade de hoje até o início do carnaval".
que bom. já que, infelizmente, como prova inequívoca da tragédia de sermos medíocres como somos, não há autoridade, não há poder público capaz de afirmar que, naquilo que está sob sua responsabilidade, há garantia de que tamanha catástrofe não irá ocorrer.
não pode porque somos uma sociedade fermentada na transgressão, no desrespeito, no descaso. ética, para nós, é só um termo filosófico. não, na verdade nem isso sabemos. sabemos da ética pela tv que usa e abusa do termo quando explora eventos isolados como os últimos julgamentos de políticos envolvidos naquilo que, apesar de ser a práxis, foi vendido como excessão. e nós compramos. como compramos 24 horas de transmissão ao vivo de um reality show.
compramos isso enquanto mantemos comportamentos e pensamentos toscos, enquanto nos conformamos incapazes de questionar a capacidade que espumas tem de causar tragédias. 
somos medíocres conformados.
e a lista de culpados ainda inclui: a banda, a pirotecnia da banda, os coitados dos seguranças, os donos da boate, a boate. estão eles isentos ou não? isso é para advogados. eu falo somente daquilo que vejo: o desprezo onipresente por qualquer tipo de regra, norma, disciplina. o descaso, a irresponsabilidade desta gente bronzeada que se dá tão pouco valor. 
penso nesta mania boba, este orgulho espúrio de parecer alegre enquanto mantemos soterrada sob, de novo, tanta mediocridade a nossa humana possibilidade de sermos menos infelizes.

Speech by ReadSpeaker